sexta-feira, 7 de novembro de 2014

À Espera da Felicidade

Meus irmãos e eu estávamos ansiosos e muitos contentes, nossa prima Aliene chegaria de São Paulo para passar o Natal conosco na Fazenda.

Durante vários dias minha mãe juntou leite e fez requeijão, queijo, doce e deliciosos biscoitos de polvilho para esperá-la.

Estávamos todos na estrada esperando pelo ônibus que a traria.

A cada som de motor, nossos olhos brilhavam em expectativa, que era frustrada quando, na verdade, o que aparecia era um caminhão ou outro carro qualquer.

Só um ônibus passava por aquela estrada. Ele saía pela manhã de Monte Alegre, povoado próximo à fazenda, com destino a Porto Seguro, e só retornava à tarde. Mas o dia já envelhecia no horizonte e nada de Aliene.

Sentamos no chão, um ao lado do outro e continuamos a esperar. Até que avistamos ao longe, um pontinho em meio a uma nuvem cinza de poeira, só podia ser o ônibus. Vinha serpenteando pela estrada até se aproximar o bastante para termos certeza de que logo veríamos Aliene chegar.

Levantamos e pulamos de alegria. Ela chegara! Ela chegara! Gritávamos um para o outro em incontida felicidade.

O ônibus parou bem próximo de onde estávamos e, após alguns segundos intermináveis, Aliene desceu sorrindo e acenando para a gente. Ela abriu o bagageiro e de dentro tirou uma mala enorme, outra menor e algumas bolsas. Corremos para ajudá-la com a bagagem.

Minha mãe saiu na varanda para ver a razão de tamanha algazarra e ao ver Aliene apressou-se a abrir o portão para que entrássemos.

Foram muitos abraços apertados, beijos estalados e nós em volta esperando curiosos para saber o que ela trouxera nas malas.

Não tivemos que esperar muito, percebendo em nossos olhos brilhantes de expectativas o que queríamos, ela começou a abrir a mala maior. De dentro tirou várias coisas, roupas, sapatos, brinquedos. Ficamos atentos para saber a quem ela os daria. Cada um desejando em silêncio ser o primeiro.

Para meus irmãos Ronaldo, Gute e Bruno, ela entregou alguns shorts, camisetas, sapatos e várias bolinhas verdes, tão macias, que pareciam de pelúcia. E nos explicou serem bolinhas de tênis, um esporte muito praticado em São Paulo.

Para minha irmã Renata, um conjunto de saia e blusa rosa, vestidos, enfeites para o cabelo e um ursinho marrom.

Para minha mãe, calça legging, blusas, saias, tênis e um rádio-relógio, que a deixou encantada com suas múltiplas funções. Ela rapidamente o sintonizou numa rádio local e pudemos ouvir muitas canções.

Para mim, trouxe blusas, saias de vários modelos e um conjunto de saia e blusa parecido com o de Renata, porém, o meu era amarelo. Ganhei também dois livros, um contava a história de um Rei que não tinha orelha e o outro, a história da arca de Noé, eram lindos, com várias ilustrações coloridas. Aliene entregou-me ainda, com olhar de cumplicidade, um diário com cadeado. Foi nesse diário que registrei pela primeira vez as minhas ideias e impressões sobre as coisas.

Quando achávamos que já havíamos ganhado tudo que podíamos, Aliene retirou de um canto secreto da mala, duas bonecas Barbies! Deu uma para Renata e outra para mim. Eram lindas, com longos cabelos loiros, vestidos de princesa e sapatos de salto alto.

Enquanto Renata e eu já brincávamos com as bonecas, minha prima continuava a retirar coisas da mala: um tênis AllStar, duas blusas de frio, uma colorida de vermelho, azul e branco, outra branca e rosa.

Contou-nos que foram dos filhos do patrão dela, mas trouxera porque ainda estavam em bom estado e poderíamos usá-las por muito tempo ainda. Pediu para as experimentarmos e a quem servisse pudesse ficar.

Calcei o par de tênis AllStar e serviram direitinho! Eram brancos e fiquei feliz em saber que combinariam com meu uniforme da escola que era branco e azul.

A blusa de frio colorida serviu em Ronaldo. Era cheia de novidades, na parte de dentro havia vários bolsos, a gola podia ser aberta e de dentro saía um capuz, tinha muitos zíperes e botões do lado de fora. Cada manga era de uma cor, uma vermelha e a outra azul.

A outra blusa serviu em mim, era impermeável e toda branca, exceto pelos punhos, gola e zíperes que eram rosas, formando um bonito contraste.

O fato de ser verão e não pudermos usá-las, não diminuiu a minha alegria e a de meu irmão com nossas primeiras blusas de frio. Esperaríamos por um dia chuvoso na Bahia para usá-las, por um dia em que seríamos aquecidos por um calor que não viria do sol, mas do abraço da lã macia.

Aliene trouxe ainda, material escolar para todos nós. E para nossa surpresa ainda tirou mais coisas da mala preta, que a essa altura já acreditávamos ser mágica: uma caixa de panetone, uma caixa de bombons, um saco de balas e pirulitos, várias caixinhas de gelatina, chá em saquinho, que era uma grande novidade para nós, acostumados a colher no quintal de casa, a erva-cidreira e o capim santo para o chá servido com biscoitos quentinhos aos finais de tarde.

Finalmente, deixamos Aliene e minha mãe conversarem a sós, os adultos sempre tinham muitas coisas a dizer. Já o nosso diálogo era silencioso, agradecíamos por ter alguém que cuidaria da gente mesmo na ausência de nosso pai. Agradecíamos por ter um Natal como deveria ser o de toda criança, com presentes, comida na mesa e sorrisos nos rostos.

Aliene voltaria nos anos seguintes, sempre carregada de presentes, sempre cheia de sorrisos, sempre dona de uma alegria que só quem faz uma criança feliz, pode ter.