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Primeiras Estórias

Certo dia chegou a São João do Sul, povoado do interior da Bahia, um novo professor. Ele tinha umas ideias diferentes sobre as coisas, falava de livros que não eram como aqueles que estudávamos, nos quais os assuntos eram claros, e as interpretações levavam a apenas uma resposta.

Ele nos falava de Literatura.

Numa aula, entrou na sala com os braços carregados de livros e os colocou sobre a mesa para que pudéssemos olhar, tocar, escolher um para ler e dali a dois meses contar a história para a classe. Desse modo, todos saberíamos sobre o que falava o livro do outro.

Esse foi meu primeiro contato com a literatura. Tinha catorze anos e até a chegada daquele professor não tinha conhecimento de que existiam tantas histórias contadas pelos mais diversos autores no mundo todo.

No povoado não havia biblioteca, jornal, revista ou internet e o conhecimento das coisas só nos chegava pela voz dos mais velhos e dos professores que, por sua vez, haviam aprendido com os livros didáticos.

Entre os livros que o professor nos levou estavam: O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, A Ópera do Malandro, de Chico Buarque de Holanda, Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, entre outros que o tempo apagou da minha memória.

Como não conhecíamos nem as obras, nem os autores, adotamos critérios distintos para escolhermos qual livro leríamos. Um colega disse que ficaria com a Ópera do Malandro, porque era pequeno e acabaria mais rápido que o restante da classe. Outro, disse ser o mais sortudo, pois seu livro já começava na página 14!

Escolhi Primeiras Estórias por que me pareceu fascinante a possibilidade de conhecer num mesmo livro, muitas histórias. Quando iniciei a leitura percebi duas coisas – a primeira é que gostava daquele tipo de livro, com histórias inventadas. Como meu professor que não se prendia a regras do que ensinar e de como ensinar, também Guimarães Rosa não seguia rigorosamente as regras da gramática do que escrever e de como escrever. Tinha um jeito próprio, musicado, inventado, bonito de dizer as coisas.

Um jeito emblemático, original e envolvente. Ele falava de gente, de bicho, de buritis e garças-brancas, de rios e de passarinhos, de solidão e de sertão, de um mundo que era parecido com o que eu vivia.

A segunda coisa que descobri com esse livro, foi que gostaria de ser professora de literatura.

Mas jamais imaginei que minha paixão por livros pudesse me fazer mudar do povoado onde nasci para uma cidade grande e desconhecida, conquistar uma bolsa de estudos na PUC-SP para o curso de Letras, cursar um mestrado em Língua Portuguesa sobre Guimarães Rosa, trabalhar numa grande livraria e conhecer um montão de histórias inventadas, contadas em forma de prosa, poesia e canção, lecionar numa Universidade.

Os livros podem nos levar a lugares surpreendentes, onde muitas vezes, jamais supúnhamos chegar.

2 comentários:

Rebeca Sabarense disse...

Há estória que nos fazem sorrir, chorar, ficar bravo as vezes, e tem aquelas que nos tiram lágrimas de emoção, e com certeza essa foi uma delas. Não só por conviver com você Deniz, mas saber sua origem, o começo da sua paixão pela literatura... poderia aposta que você está a um degrau de mais sucesso.

Abraços.

Unknown disse...

o seu nivel de cultura é o melhor lhe desejo muito o céu é o seu limite ou não você é demais!