Lucas seguiu um caminho temido por alguns e desejado por outros, o caminho do crime.
Foi traficante, ambulante, presidiário, hoje é professor.
No Cadeião de Pinheiros – para onde foi levado após se negar a continuar pagando um tributo à polícia para traficar livremente –, viu companheiros de cela serem torturados e assassinados e o tráfico persistir dentro do presídio.
Lucas não queria morrer, não queria ser mais traficante, presidiário, queria ser estudante.
Antes de ser preso havia prestado o vestibular da PUC-SP e fora aprovado. Sua mãe, vendo uma oportunidade do filho mudar de vida por meio dos estudos, foi até o setor judiciário da Universidade e conseguiu advogados que negociaram a sua liberdade condicional. Em troca, deveria apresentar bom comportamento e dedicação ao curso. Também conseguiram uma bolsa de estudos com a qual Lucas pode realizar seu desejo de cursar uma faculdade e um dia voltar a ser livre.
Quando terminou a Faculdade de Letras, já havia cumprido a sua pena e quis dar um passo ainda maior, fazer a prova para o Mestrado. Em meio a apostas de que não conseguiria, lá estava ele no primeiro dia de aula, aluno do Mestrado em Língua Portuguesa, como muitos jamais supunham ele seria, como o próprio Lucas chegou a duvidar que seria.
Lucas traficante…
Lucas ambulante…
Lucas estudante…
Lucas professor…
Quatro vezes Lucas mudou a sua história.
Durante a graduação foi por vezes, marginalizado, ridicularizado, por falar a língua descrita por Manuel Bandeira no poema Evocação do Recife, como a língua que
"(...) Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada".
Em sua linguagem permeada por gírias, ele na verdade, se expressava da forma mais bonita, mais “português-Brasil”, “português-25-de-março”, por que era a forma que atingia, a um só tempo, o passante, o comprador, o ambulante, o policial, o povo.
Foi preciso que Lucas percorresse um longo caminho, até encontrar em seu jeito de falar, a matéria de um estudo, “A gíria do Brasil”, disciplina do Mestrado em Língua Portuguesa, que não tinha a gíria como objeto de crítica, mas de pesquisa, entendimento e aprendizado, sobre as formas de se expressar dos diversos grupos sociais.
Com entusiasmo ouviu o primeiro ensinamento do mestre Dino Pretti: “Mexer com linguagem, é mexer com a essência das pessoas, o professor deve ser, portanto, desprovido de preconceitos”.
Lucas encontrara o seu lugar – fora do presídio, dentro da Universidade.
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