Por entre as grades do portão de ferro, ela olhava a rua silenciosa, com seus casarões antigos e árvores estáticas.
O tempo era feito de esperas.
Ao longe, uma Limusine branca coloria o espaço cinza de um dia sem sol.
Durante segundos infinitos, se permitiu contemplar a imagem e tecer ideias sobre quem a Limusine estaria levando. Gostava de pensar que era um artista ou uma noiva, a caminho de destinos surpreendentes.
Olhou uma vez mais, a claridade se fora, viu o rodo e o pano de chão, a vassoura e o pó, viu a si mesma, entre a realidade e o sonho.
Trabalhava numa casa no Butantã. Do salário que recebia, tirava o suficiente para as despesas de casa e o sustento dos filhos pequenos.
A pretexto de uma proposta irrecusável de trabalho em outro Estado, o marido foi embora e nunca mais voltou.
Mas ela não reclamava da vida, tinha saúde, fé e muita coragem, tinha, sobretudo, por quem lutar, por quem ser forte.
Por um momento um sorriso iluminou o seu rosto ao lembrar-se do menino de olhos grandes e curiosos e da menina de cabelos cacheados. Todos os dias, lhes contava histórias sobre a Limusine branca, misteriosa, que surgia quando nem se pensava nela, e pelo espaço de tempo em que cruzava a rua, tornava o seu dia mais bonito, depois desaparecia entre casas, carros e multidão.
À noite, ao contar mais uma aventura aos filhos, eles quiseram saber se um dia também poderiam vê-la passar. Ela prometeu que sim, que os levaria ao lugar de onde elas surgiam. Um lugar muito grande e bonito.
As crianças já dormiam quando pensou em lhes dizer que era só uma história.
No outro dia, saiu mais cedo, decidida a desvendar o mistério. Caminhou até o final da rua em que trabalhava, viu apenas os casarões antigos de sempre e, nenhum deles parecia abrigar, atrás dos muros altos de pedras e imponentes portões, as Limusines. Perguntou aos seguranças e, a quem mais viu passar pela rua, se sabiam algo a respeito, após várias respostas negativas, finalmente descobrira de onde vinham. Porém, já estava tarde, precisava trabalhar.
Passou o dia numa doce expectativa de quem conheceria algo precioso. Terminou todo o serviço e foi embora, não para casa, ainda, mas para o destino a tanto esperado.
Após andar por alguns minutos, chegou a uma imensa construção, cercada por um jardim de flores coloridas e um tapete verde de gramas. Homens vestidos sobriamente protegiam a porta. Aproximou-se e perguntou se poderia entrar. Relatou o motivo de estar ali. Os homens a olharam, viram a roupa simples, os sapatos gastos e julgaram que não tinha a aparência de quem poderia alugar uma Limusine. E não a deixaram entrar.
Enquanto tentava argumentar, um carro atravessou o portão. Com surpresa, observou a porta traseira se abrir, um senhor de barbas brancas descer e vir a seu encontro. Quis saber o que se passava. Os homens asseguraram que não era nada, apenas uma mulher querendo entrar onde não devia.
O senhor voltou a perguntar, deixando claro que gostaria de saber a sua versão do que acontecera. Ela contou-lhe do seu sonho e dos filhos de conhecer uma Limusine. Ele mostrou-se feliz com sua resposta. E começou a falar num tom que também poderia ser ouvido pelos homens, sobre um jovem motorista, com pouco dinheiro no bolso e um sonho grandioso, o de ter seu próprio carro. Não um carro comum, mas um carro que levasse as pessoas a destinos surpreendentes, com segurança, conforto e requinte. Não foi difícil perceber que falava de si mesmo, de um tempo em que ainda não era o dono de uma grande frota de Limusines.
Pediu-lhe que viesse no dia seguinte e trouxesse as crianças, ele mesmo lhes mostraria a Limusine branca e seria o motorista que as levaria para um passeio pelo Butantã. Ela o agradeceu e foi embora, ansiosa por contar aos filhos, que as Limusines vinham de um lugar que era feito de trabalho, dedicação e sonhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário