quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Olhos Tristes

Chegou mais cedo que de costume, encostou-se ao balcão e pediu uma dose de atenção. Servi um sorriso cordial. Não o satisfez, queria algo mais forte, uma bebida que descesse ardente pela garganta ressequida e tirasse da língua o gosto amargo da vida.

Tinha olhos tristes, que expressavam uma angústia pouco comum em alguém ainda tão jovem. 

Após sorver de um único gole o conhaque, ficou em absoluto silêncio. 

Esperei que falasse sobre o tempo, a falta de trabalho, o número crescente de assassinatos, sobre qualquer coisa que indicasse interesse pelo mundo e as pessoas à sua volta. 

O silêncio foi quebrado por uma pergunta inesperada: 

– Você já leu Capitães da Areia? 

Antes que eu pudesse assimilar a pergunta e formular uma resposta, seguiu falando sobre o livro e a história do bando de meninos liderados por Pedro Bala, meninos quase crianças, quase adultos, quase éticos, quase bandidos, quase. 

Disse que o seu personagem preferido era o menino conhecido na trama como Professor, por que lia, desenhava e tinha honra. Compreendi, então, que falava mais para si mesmo, do que para mim, comparava sua vida à de personagens atormentados, complexos, misturava em seu relato, ficção e realidade. 

Pediu para usar o banheiro. Indiquei a direção. Voltou minutos depois passando, repetidamente, as mãos sobre o nariz, mas apesar do esforço para limpá-lo, ainda eram visíveis os restos de pó. 

Aproximou-se de mim, os olhos agora eram vívidos e ainda mais atormentados, contavam sua história.

Morava do outro lado da rua, num quarto de aluguel em companhia de um violão sem cordas, um colchão desgastado pelo tempo e alguns exemplares de Jorge Amado, quase que totalmente devorados pelas traças. 

Na parede, o mofo dividia espaço com um espelho quebrado, no qual ao se olhar, via um rosto fragmentado, incompleto, mais velho do que deveria ser. 

Ao canto, uma mesa de pernas vacilantes, escorada por tijolos, servia de suporte às garrafas vazias de cerveja e compunha o restante da escassa mobília. 

Podia criar paisagens numa tela ou num pedaço rasgado de papel, esculpir num tronco disforme, figuras surpreendentes, compor e tocar belas canções, falar sobre os mais diversos assuntos, conquistar muitas mulheres, brincar com crianças, conversar com idosos. 

Poderia ser um artista, professor. Poderia ser muitas coisas, mas escolhera não ser nada, nada que esperavam que fosse. 

Era um capitão da areia. 

A droga levou seu dinheiro, seu amor próprio, sua família, levou tudo o que era, ou pensou em ser. 

A única coisa que lhe restou foram os olhos tristes.

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